Durante a Idade Moderna (1553-1789), o
mercantilismo foi um conjunto de teorias e práticas de intervenção econômica vigente
em todo o mundo ocidental. Todos eram obcecados por produtividade, lucro,
dinheiro e riqueza. A aliança entre o rei e a burguesia foi responsável pela
expansão marítima, pelo fortalecimento do poder real (absolutismo) e pela
consolidação do poder econômico da burguesia. A Igreja já não tinha tanta
importância e poder quanto na Idade Média, mas até o século XVII perseguia
pessoas e cientistas que contrariassem os seus dogmas (COTRIM, 1999).
A expansão marítimo-comercial e a
Revolução Industrial marcaram esse período, bem como influenciaram inovações
tecnológicas e também foram produto de algumas delas. O relógio mecânico
estimulado e desenvolvido pela Igreja na Idade Média, de certa forma,
contribuiu para que ela perdesse sua hegemonia, inserindo a idéia de
produtividade na atividade humana.
Até o início do século XVII, a medição
do tempo envolvia muitas dificuldades, os relógios tinham apenas um ponteiro,
que marcava as horas, e um mostrador dividido em horas e quartos de hora. A
idéia de tempo uniformemente dividido teve início nas cidades e foi estimulada
pela classe mercantil e pelo surgimento de uma economia monetária:
Enquanto o poder se
concentrou na posse de terras, o tempo era vivido como abundante, sendo
fundamentalmente associado com o ciclo inalterável do solo. Com a crescente
circulação de dinheiro e a organização de redes comerciais, entretanto, a
ênfase deslocou-se para a mobilidade. O tempo já não era associado apenas a
cataclismos e festividades, mas à vida diária. Muitas das classes médias não
tardaram a perceber que tempo é dinheiro, devendo portanto ser cuidadosamente
regulado e usado com economia (WHITROW, 1993, p.128).
Os primeiros relógios mecânicos eram
grandes e pesados, mas logo surgiu um desejo de torná-los transportáveis. No início
do século XV as molas foram substituindo os pesos como fonte de força motora.
Esse avanço possibilitou a invenção do relógio doméstico e também do relógio de
bolso[1]
(Figura 10).
Figura 10 – Relógio de bolso
Fonte:
http://www.timevision.com.br
Esses relógios estimularam a
produtividade individual, uma vez que a marcação do tempo estava sempre visível
e, como toda inovação, por muito tempo ficou restrita aos ricos, não
surpreendendo que, com freqüência, as pessoas comuns ficassem profundamente
perturbadas quando se deparavam com um, chegando até a tomá-los por algo
maligno e perigoso (WHITROW, 1993).
Nessa época, “a maioria das pessoas
estava muito mais atenta às várias marcações do tempo associadas com a vida das
plantas e dos animais” (WHITROW, 1993, p.131), como, por exemplo, o canto do
galo, pois apenas os ricos podiam ter um relógio em casa.
Ao longo de muitos séculos o padrão de
tempo foi baseado em observações astronômicas. A definição de hora, minuto e
segundo estava relacionada à frações de uma rotação da Terra em torno do seu
eixo. Nas Idades Média e Moderna, muitos eruditos se interessavam pelos
relógios mecânicos por causa da sua conexão com a astronomia e tinham a
concepção de que o próprio universo era uma máquina regulada como um relógio
(WHITROW, 1993).
A herança da Revolução
Científica: o tempo absoluto e o relógio de pêndulo
A Idade
Moderna foi um período repleto de novas idéias, que abriram perspectivas
imensas para melhor utilizar as forças da natureza, romper com os dogmas da
Igreja e redefinir a relação do homem com a cultura que produzia. A sociedade
européia se reorganizava, se defrontava com problemas inéditos e se encantava
com a possibilidade de progresso material (REZENDE e DIDIER, 2005).
Ao contrário da Idade Média, um
período da nossa história em que as emoções prevaleceram sobre a razão, a Idade
Moderna levantou a bandeira da razão, por meio do Renascimento, resgatando as
idéias dos filósofos gregos e dando continuidade à produção do conhecimento
interrompido pela Igreja durante dez séculos, o que levou muitos historiadores
a denominar a Idade Média de Idade das Trevas e o século XVIII de “século das
luzes”.
No século XVI, a Ciência deixou de
estar atrelada à Filosofia e passou a ser um conhecimento mais estruturado e
prático. Como destaca Fritjof Capra:
Nos
séculos XVI e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia
aristotélica e na teologia cristã, mudou radicalmente. A noção de um universo
orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo com uma
máquina, e a máquina do mundo tornou-se a metáfora dominante da era moderna.
Essa mudança radical foi realizada pelas novas descobertas em física,
astronomia e matemática, conhecidas como Revolução Científica e associadas aos
nomes de Copérnico, Galileu, Descartes e Newton (CAPRA, 2000, p.34).
A maioria das idéias de Aristóteles
foi baseada em observações do cotidiano. Por isso, ele ficou conhecido como o
filósofo do censo comum. Para ele, a Terra era o centro do universo. Galileu
Galilei (1564-1642) restringiu a ciência ao estudo dos fenômenos que podiam ser
medidos e quantificados. Já Isaac Newton (1642-1717), com a sua síntese, a
mecânica newtoniana, coroou a ciência do século XVII (CAPRA, 2000).
Na Idade Média, São Tomás de Aquino
fez uma nova interpretação das concepções de mundo de Aristóteles, baseadas num
sistema geocêntrico, divulgadas através do Almagesto,
de Cláudio Ptolomeu (90-168), numa perspectiva cristã, conhecida como síntese
aristotélico-tomista, em que a Terra ocupava o centro do universo, um lugar
privilegiado.
Entretanto, na Idade Moderna, a
revolução copernicana retomou as idéias do heliocentrismo, sugerida por
Aristarco de Samos duas gerações após Aristóteles. As idéias de Nicolau
Copérnico (1473-1543) foram confirmadas com a ajuda do telescópio de Galileu e,
em 1600, o filósofo Giordano Bruno (1548-1600) foi queimado vivo na fogueira da
Inquisição após concluir que se Copérnico estivesse com a razão e a Terra fosse
apenas mais um planeta a girar em torno do Sol, não existiria um lugar
privilegiado no universo, ameaçando os dogmas da Igreja Católica (CONDÉ, 2006).
Atualmente, os conhecimentos
adquiridos pela ciência permitem concluir que o Sol é apenas uma estrela entre
muitas que existem na nossa galáxia, e esta, apenas uma entre muitas que
existem no Universo. Assim, apesar da nossa posição no Universo ser
aparentemente insignificante, as leis da Física são as mesmas em todas as suas
partes.
A transição do pensamento medieval
para o pensamento racional moderno não ocorreu do dia para a noite. Na
tentativa de esclarecer que o Sol, e não a Terra, era o centro do universo,
muitos cientistas foram visados, julgados e condenados pelo Tribunal da Santa
Inquisição.
Em 1633, Galileu, aos setenta anos,
foi julgado e condenado à prisão domiciliar, após renegar suas conclusões de que
a Terra não estava no centro do universo e imóvel. As suas obras, juntamente
com as de Copérnico, só foram retiradas do Índice de Livros Proibidos em 1822 e
a Igreja Católica só eliminou os últimos vestígios de resistência à revolução
copernicana em 1992, com o papa João Paulo II. (KEPLER e SARAIVA, 2003). Isaac
Newton, que nasceu no mesmo ano em que Galileu faleceu, encontrará, décadas
mais tarde, uma sociedade mais aberta às idéias científicas.
Galileu deu uma importante
contribuição para a mensuração do tempo. Ao observar um lustre da Catedral de
Pisa, ele comparou o intervalo de tempo em que o lustre repetia o seu movimento
com o tempo de sua própria pulsação. Percebeu que o período das oscilações
permanecia o mesmo, apesar da amplitude do movimento oscilatório do lustre
diminuir com o tempo. Em suas experimentações, Galileu concluiu que o período
de oscilação de um pêndulo só dependia do comprimento do mesmo. Essa
dependência, para pequenas amplitudes, é expressa nos livros de Física através
da relação:
Um pêndulo simples é constituído de
uma partícula de massa m pendurada
por um fio inextensível de massa desprezível. Essa massa oscila em torno de uma
posição de equilíbrio devido à presença de uma força restauradora, a resultante
entre a força peso e à tração. Durante a oscilação, energia potencial gravitacional
(U)[2] é
continuamente transformada em energia cinética (K)[3] e
vice-versa, dadas pelas equações:
Em
relação ao nível de referência, no ponto mais alto, o sistema possui apenas
energia potencial gravitacional (Figura 11a), ao passo que, no ponto mais
baixo, o sistema possui apenas energia cinética (Figura 11b), como mostra a
figura 11.
Figura 11 – Energia mecânica no pêndulo
simples
Fonte: Própria.
Nas posições intermediárias entre o
ponto mais baixo e o ponto no qual a amplitude de oscilação é máxima (ponto
mais alto) existe uma combinação de energia potencial gravitacional e de
energia cinética (Figura 11c) de tal forma que a soma delas, desprezando-se o
atrito com o ar, é constante (Princípio da Conservação da Energia Mecânica).
A Figura 12 mostra um desenho do
relógio de pêndulo projetado por Galileu em 1641, um ano antes de morrer, e
construído parcialmente por Vizencio, seu filho, que morreu antes de concluir.
Figura 12 – Relógio
de pêndulo
idealizado por Galileu
Fonte:
Whitrow (1993, p.141)
O cientista holandês Christian Huygens
(1629-1695) fez uma importante adaptação no relógio de pêndulo projetado por
Galileu e foi responsável pela conversão dos relógios mecânicos num instrumento
de precisão, cujo erro passou a ser de apenas 10 segundos por dia,
oportunizando a introdução do ponteiro dos minutos em 1670. O relógio de
Huygens possuía um escapo de âncora, que “consiste de uma roda com dentes
pontiagudos e uma âncora que, em lugares eqüidistantes de seu eixo, sustenta
duas palhetas, cada uma das quais agarra os sucessivos dentes da roda, à medida
que escapam da ação da outra” (WHITROW, 1993, p.144), como ilustrado na Figura
13.
Figura
13 – Relógio de pêndulo construído por Huygens
Fonte:
http://www.britannica.com, adaptada.
O conceito de tempo para Isaac Newton
(1642-1727) baseava-se na analogia entre o tempo e uma linha reta geométrica. É
comum encontrar gráficos de aceleração versus tempo, velocidade versus tempo,
posição versus tempo, corrente elétrica versus tempo, dentre outros. Em todos
eles, o tempo é o eixo das abscissas. O Gráfico 01 ilustra essa analogia:
Gráfico 01 – Gráfico
espaço versus tempo para um movimento retilíneo
uniforme descrito pela função horária do
espaço x(t) = 6 + 2.t
Fonte: Própria
Para o antecessor de Isaac Newton, Isaac
Barrow (1630-1677),
O tempo
não implica movimento, na medida em que é absoluto e no que diz respeito à sua
natureza intrínseca; como tampouco implica repouso; quer as coisas se movam ou
estejam paradas, quer durmamos ou estejamos despertos, o Tempo segue a natureza
uniforme de seu curso (BARROW apud WHITROW, 1993, p.146).
Em seu livro Principia, Isaac
Newton demonstrou a grande influência que sofreu de Isaac Barrow quando afirmou
que o tempo é absoluto, verdadeiro e matemático, e flui de modo igual, sem
relação a qualquer coisa externa.
Ao
término da Revolução Científica o tempo possuía um caráter absoluto e um grande
avanço havia ocorrido nos dispositivos de contagem do tempo. O estudo do
movimento oscilatório por Galileu culminou na invenção de relógios de pêndulo.
O primeiro foi projetado por ele, construído parcialmente por seu filho e
aperfeiçoado por Huygens. Esse relógio conseguiu uma precisão muito boa para as
necessidades da época. Porém, apresentava algumas limitações, a principal foi
não poder ser utilizado em alto-mar, pois o movimento do pêndulo era
influenciado pelo movimento das ondas do mar. Além disso, a temperatura
influenciava na determinação do período de oscilação, aumentando ou reduzindo o
comprimento l da haste do pêndulo por
meio de dilatações térmicas.
A expansão marítimo–comercial e
o problema da longitude
Entre os
séculos XV e XVI, a necessidade que a Europa sentia, após a mudança do sistema
feudal para o mercantilista, de crescer economicamente, resultou numa expansão
marítimo-comercial (Figura 16).
Segundo
Cotrim (1999, p.194), “fatores econômicos, sociais, políticos e culturais
concorreram para a expansão marítima e comercial européia”. A busca de um novo
caminho para o oriente (comércio de especiarias e artigos de luxo), a
necessidade de novos mercados (ampliação do número de consumidores e falta de
gêneros alimentícios e matéria-prima), a busca por metais preciosos (para a
confecção de moedas utilizadas na troca de mercadorias), a formação dos estados
nacionais (a expansão marítima aumentaria os poderes do rei, manteria os
privilégios da nobreza e elevaria os lucros da burguesia), a propagação da fé
cristã, a ambição material e o progresso tecnológico (astrolábio, bússola,
caravela, mapas geográficos etc) foram alguns desses fatores.
As
grandes navegações são consideradas um momento histórico marcado por mares
nunca antes navegados, os europeus descobriram terras e conheceram outros povos
e culturas. Muitas foram as expedições realizadas, algumas vitoriosas, outras
derrotadas pelas armadilhas da natureza ou em razão do desânimo de seus
participantes diante do desconhecido (REZENDE e DIDIER, 2005, p.265).
Como
afirma Rezende e Didier, muitas expedições se perdiam no mar. A localização de
um navio no oceano foi um problema que permeou toda a Idade Moderna. Esta
localização exigia o conhecimento do ponto da superfície da Terra em que ele se
encontrava. Do equador ao pólo norte existem 90 paralelos, e do equador ao pólo
sul, outros 90. Esses paralelos permitem medir a latitude (posição norte-sul),
que varia de 0° na linha do equador a 90° nos pólos. Os meridianos são linhas
imaginárias traçadas sobre a Terra unindo os pólos, e servem para medir a
longitude (posição leste-oeste). A determinação da latitude envolvia a medição
da altura do Sol ou de estrelas fixas. A estrela Polar[4]
era usada para orientação no pólo norte e a constelação do Cruzeiro do Sul, no
pólo sul (MELO, 2000). A longitude era medida pela comparação da hora local com
a hora de Greenwich. Como a Terra gira em torno de seu eixo de 360° em 24
horas, uma variação de 1 hora corresponde a um deslocamento de 15°.
Em
1514, Johann Werner (1468-1522) propôs o método da distância lunar para
determinar a longitude de uma embarcação, baseado na posição da Lua em relação
às estrelas. Em 1553, Gemma Frisius (1508-1555) sugeriu um outro método, que
dependia da invenção de um cronômetro preciso e projetado para suportar as
perturbações associadas ao transporte por mar. Os relógios de pêndulo
existentes na época não eram suficientemente precisos, pois a precisão exigida
no mar era de menos de 3 segundos por dia. E mesmo que fosse, seu uso não seria
adequado em alto-mar devido ao movimento dos navios (WHITROW, 1993).
Em 29 de setembro de 1707, um desastre
marítimo que matou cerca de 2000 tripulantes afogados acentuou a necessidade de
resolver o problema da longitude. Sete anos depois, foi oferecido um prêmio de
20.000 libras para quem resolvesse esse problema:
Esse
desastre deu lugar a um clamor público pelo aperfeiçoamento da navegação. [...]
Em 8 de julho de 1714, [...], um prêmio de 20.000 libras, o equivalente a mais
de mil libras hoje, foi oferecido por um método de determinar a longitude no
mar com precisão de pelo menos 30 milhas marítimas ao final de uma viagem às
índias Orientais (WHITROW, 1993, p. 160).
Tobias Meyer (1723-1762), um astrônomo
alemão, formulou tabelas do movimento da Lua com o auxílio matemático de
Leonhard Euler (1707-1783). Como essas tabelas seriam úteis para o método da
distância lunar, Meyer se inscreveu, em 1755, para o prêmio do Conselho de
Longitude. A viúva de Meyer recebeu, 10 anos depois, um prêmio de 3.000 libras
em reconhecimento por sua realização e Euler, 500 libras (WHITROW, 1993).
Em 1761, depois de 34 anos dedicados à
construção de cronômetros, John Harrison (1693-1776), após construir quatro
versões, conseguiu atingir a precisão exigida. Quanto ao prêmio, foram feitos
alguns adiantamentos, mas ele só recebeu depois de entrar na justiça, três anos
antes de morrer. A precisão atingida pela quarta versão do cronômetro de
Harrison oportunizou a utilização, em 1765, do ponteiro dos segundos (WHITROW,
1993).
O tempo no contexto da
Revolução Industrial
No século XVIII, a
Revolução Industrial na Inglaterra deu uma nova importância às horas. Os
operários agora tinham a hora de entrada e de saída nas fábricas. A
desconfiança no relógio do patrão fez com que os operários adquirissem seu
próprio relógio. Com isso, a indústria de relógios cresceu e estes se tornaram
mais baratos na medida em que sua produção tornou-se seriada (WHITROW, 1993).
A construção de
locomotivas a vapor e a construção de ferrovias em âmbito nacional promoveram
uma crescente importância do tempo. As notícias começaram a se espalhar em
pouco tempo dentro do país e as viagens das locomotivas eram rigorosamente cronometradas.
De acordo com Whitrow (1993) a aceleração da comunicação em âmbito nacional e
internacional, que se seguiu à introdução da telegrafia e à instalação do cabo
transatlântico em 1858 foi por si só uma revolução.
O relógio, e não a máquina
a vapor, foi a máquina chave para a moderna idade industrial. A popularização
dos relógios acentuou a tendência à regularização cronométrica de funções
vitais básicas, como a hora de dormir, de acordar, das refeições etc. Apesar de
possuir várias oficinas de manufatura de relógios, a Inglaterra perdeu
facilmente o domínio do mercado relojoeiro para a Suíça, que possuía técnicas
de produção em massa (WHITROW, 1993).
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