terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A importância do relógio e do tempo na sociedade moderna


Durante a Idade Moderna (1553-1789), o mercantilismo foi um conjunto de teorias e práticas de intervenção econômica vigente em todo o mundo ocidental. Todos eram obcecados por produtividade, lucro, dinheiro e riqueza. A aliança entre o rei e a burguesia foi responsável pela expansão marítima, pelo fortalecimento do poder real (absolutismo) e pela consolidação do poder econômico da burguesia. A Igreja já não tinha tanta importância e poder quanto na Idade Média, mas até o século XVII perseguia pessoas e cientistas que contrariassem os seus dogmas (COTRIM, 1999).
A expansão marítimo-comercial e a Revolução Industrial marcaram esse período, bem como influenciaram inovações tecnológicas e também foram produto de algumas delas. O relógio mecânico estimulado e desenvolvido pela Igreja na Idade Média, de certa forma, contribuiu para que ela perdesse sua hegemonia, inserindo a idéia de produtividade na atividade humana.

Até o início do século XVII, a medição do tempo envolvia muitas dificuldades, os relógios tinham apenas um ponteiro, que marcava as horas, e um mostrador dividido em horas e quartos de hora. A idéia de tempo uniformemente dividido teve início nas cidades e foi estimulada pela classe mercantil e pelo surgimento de uma economia monetária:
Enquanto o poder se concentrou na posse de terras, o tempo era vivido como abundante, sendo fundamentalmente associado com o ciclo inalterável do solo. Com a crescente circulação de dinheiro e a organização de redes comerciais, entretanto, a ênfase deslocou-se para a mobilidade. O tempo já não era associado apenas a cataclismos e festividades, mas à vida diária. Muitas das classes médias não tardaram a perceber que tempo é dinheiro, devendo portanto ser cuidadosamente regulado e usado com economia (WHITROW, 1993, p.128).
Os primeiros relógios mecânicos eram grandes e pesados, mas logo surgiu um desejo de torná-los transportáveis. No início do século XV as molas foram substituindo os pesos como fonte de força motora. Esse avanço possibilitou a invenção do relógio doméstico e também do relógio de bolso[1] (Figura 10).

Figura 10 – Relógio de bolso

                                                        Fonte: http://www.timevision.com.br

Esses relógios estimularam a produtividade individual, uma vez que a marcação do tempo estava sempre visível e, como toda inovação, por muito tempo ficou restrita aos ricos, não surpreendendo que, com freqüência, as pessoas comuns ficassem profundamente perturbadas quando se deparavam com um, chegando até a tomá-los por algo maligno e perigoso (WHITROW, 1993).
Nessa época, “a maioria das pessoas estava muito mais atenta às várias marcações do tempo associadas com a vida das plantas e dos animais” (WHITROW, 1993, p.131), como, por exemplo, o canto do galo, pois apenas os ricos podiam ter um relógio em casa.
Ao longo de muitos séculos o padrão de tempo foi baseado em observações astronômicas. A definição de hora, minuto e segundo estava relacionada à frações de uma rotação da Terra em torno do seu eixo. Nas Idades Média e Moderna, muitos eruditos se interessavam pelos relógios mecânicos por causa da sua conexão com a astronomia e tinham a concepção de que o próprio universo era uma máquina regulada como um relógio (WHITROW, 1993).

A herança da Revolução Científica: o tempo absoluto e o relógio de pêndulo

A Idade Moderna foi um período repleto de novas idéias, que abriram perspectivas imensas para melhor utilizar as forças da natureza, romper com os dogmas da Igreja e redefinir a relação do homem com a cultura que produzia. A sociedade européia se reorganizava, se defrontava com problemas inéditos e se encantava com a possibilidade de progresso material (REZENDE e DIDIER, 2005).
Ao contrário da Idade Média, um período da nossa história em que as emoções prevaleceram sobre a razão, a Idade Moderna levantou a bandeira da razão, por meio do Renascimento, resgatando as idéias dos filósofos gregos e dando continuidade à produção do conhecimento interrompido pela Igreja durante dez séculos, o que levou muitos historiadores a denominar a Idade Média de Idade das Trevas e o século XVIII de “século das luzes”. 
No século XVI, a Ciência deixou de estar atrelada à Filosofia e passou a ser um conhecimento mais estruturado e prático. Como destaca Fritjof Capra:
Nos séculos XVI e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia aristotélica e na teologia cristã, mudou radicalmente. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo com uma máquina, e a máquina do mundo tornou-se a metáfora dominante da era moderna. Essa mudança radical foi realizada pelas novas descobertas em física, astronomia e matemática, conhecidas como Revolução Científica e associadas aos nomes de Copérnico, Galileu, Descartes e Newton (CAPRA, 2000, p.34).
A maioria das idéias de Aristóteles foi baseada em observações do cotidiano. Por isso, ele ficou conhecido como o filósofo do censo comum. Para ele, a Terra era o centro do universo. Galileu Galilei (1564-1642) restringiu a ciência ao estudo dos fenômenos que podiam ser medidos e quantificados. Já Isaac Newton (1642-1717), com a sua síntese, a mecânica newtoniana, coroou a ciência do século XVII (CAPRA, 2000).
Na Idade Média, São Tomás de Aquino fez uma nova interpretação das concepções de mundo de Aristóteles, baseadas num sistema geocêntrico, divulgadas através do Almagesto, de Cláudio Ptolomeu (90-168), numa perspectiva cristã, conhecida como síntese aristotélico-tomista, em que a Terra ocupava o centro do universo, um lugar privilegiado.
Entretanto, na Idade Moderna, a revolução copernicana retomou as idéias do heliocentrismo, sugerida por Aristarco de Samos duas gerações após Aristóteles. As idéias de Nicolau Copérnico (1473-1543) foram confirmadas com a ajuda do telescópio de Galileu e, em 1600, o filósofo Giordano Bruno (1548-1600) foi queimado vivo na fogueira da Inquisição após concluir que se Copérnico estivesse com a razão e a Terra fosse apenas mais um planeta a girar em torno do Sol, não existiria um lugar privilegiado no universo, ameaçando os dogmas da Igreja Católica (CONDÉ, 2006).
Atualmente, os conhecimentos adquiridos pela ciência permitem concluir que o Sol é apenas uma estrela entre muitas que existem na nossa galáxia, e esta, apenas uma entre muitas que existem no Universo. Assim, apesar da nossa posição no Universo ser aparentemente insignificante, as leis da Física são as mesmas em todas as suas partes.
A transição do pensamento medieval para o pensamento racional moderno não ocorreu do dia para a noite. Na tentativa de esclarecer que o Sol, e não a Terra, era o centro do universo, muitos cientistas foram visados, julgados e condenados pelo Tribunal da Santa Inquisição. 
Em 1633, Galileu, aos setenta anos, foi julgado e condenado à prisão domiciliar, após renegar suas conclusões de que a Terra não estava no centro do universo e imóvel. As suas obras, juntamente com as de Copérnico, só foram retiradas do Índice de Livros Proibidos em 1822 e a Igreja Católica só eliminou os últimos vestígios de resistência à revolução copernicana em 1992, com o papa João Paulo II. (KEPLER e SARAIVA, 2003). Isaac Newton, que nasceu no mesmo ano em que Galileu faleceu, encontrará, décadas mais tarde, uma sociedade mais aberta às idéias científicas.
Galileu deu uma importante contribuição para a mensuração do tempo. Ao observar um lustre da Catedral de Pisa, ele comparou o intervalo de tempo em que o lustre repetia o seu movimento com o tempo de sua própria pulsação. Percebeu que o período das oscilações permanecia o mesmo, apesar da amplitude do movimento oscilatório do lustre diminuir com o tempo. Em suas experimentações, Galileu concluiu que o período de oscilação de um pêndulo só dependia do comprimento do mesmo. Essa dependência, para pequenas amplitudes, é expressa nos livros de Física através da relação:
onde l é o comprimento do pêndulo e g é a aceleração da gravidade.
Um pêndulo simples é constituído de uma partícula de massa m pendurada por um fio inextensível de massa desprezível. Essa massa oscila em torno de uma posição de equilíbrio devido à presença de uma força restauradora, a resultante entre a força peso e à tração. Durante a oscilação, energia potencial gravitacional (U)[2] é continuamente transformada em energia cinética (K)[3] e vice-versa, dadas pelas equações:

                                                                                                                                    Em relação ao nível de referência, no ponto mais alto, o sistema possui apenas energia potencial gravitacional (Figura 11a), ao passo que, no ponto mais baixo, o sistema possui apenas energia cinética (Figura 11b), como mostra a figura 11.

 Figura 11 – Energia mecânica no pêndulo simples

                                  Fonte: Própria.

Nas posições intermediárias entre o ponto mais baixo e o ponto no qual a amplitude de oscilação é máxima (ponto mais alto) existe uma combinação de energia potencial gravitacional e de energia cinética (Figura 11c) de tal forma que a soma delas, desprezando-se o atrito com o ar, é constante (Princípio da Conservação da Energia Mecânica).
A Figura 12 mostra um desenho do relógio de pêndulo projetado por Galileu em 1641, um ano antes de morrer, e construído parcialmente por Vizencio, seu filho, que morreu antes de concluir.

Figura 12 – Relógio de pêndulo
 idealizado por Galileu

 

                                                        Fonte: Whitrow (1993, p.141)

O cientista holandês Christian Huygens (1629-1695) fez uma importante adaptação no relógio de pêndulo projetado por Galileu e foi responsável pela conversão dos relógios mecânicos num instrumento de precisão, cujo erro passou a ser de apenas 10 segundos por dia, oportunizando a introdução do ponteiro dos minutos em 1670. O relógio de Huygens possuía um escapo de âncora, que “consiste de uma roda com dentes pontiagudos e uma âncora que, em lugares eqüidistantes de seu eixo, sustenta duas palhetas, cada uma das quais agarra os sucessivos dentes da roda, à medida que escapam da ação da outra” (WHITROW, 1993, p.144), como ilustrado na Figura 13.

Figura 13 – Relógio de pêndulo construído por Huygens

                           Fonte: http://www.britannica.com, adaptada.


O conceito de tempo para Isaac Newton (1642-1727) baseava-se na analogia entre o tempo e uma linha reta geométrica. É comum encontrar gráficos de aceleração versus tempo, velocidade versus tempo, posição versus tempo, corrente elétrica versus tempo, dentre outros. Em todos eles, o tempo é o eixo das abscissas. O Gráfico 01 ilustra essa analogia:
Gráfico 01 – Gráfico espaço versus tempo para um movimento retilíneo
 uniforme descrito pela função horária do espaço x(t) = 6 + 2.t

             Fonte: Própria

 Para o antecessor de Isaac Newton, Isaac Barrow (1630-1677),
O tempo não implica movimento, na medida em que é absoluto e no que diz respeito à sua natureza intrínseca; como tampouco implica repouso; quer as coisas se movam ou estejam paradas, quer durmamos ou estejamos despertos, o Tempo segue a natureza uniforme de seu curso (BARROW apud WHITROW, 1993, p.146).
Em seu livro Principia, Isaac Newton demonstrou a grande influência que sofreu de Isaac Barrow quando afirmou que o tempo é absoluto, verdadeiro e matemático, e flui de modo igual, sem relação a qualquer coisa externa.
            Ao término da Revolução Científica o tempo possuía um caráter absoluto e um grande avanço havia ocorrido nos dispositivos de contagem do tempo. O estudo do movimento oscilatório por Galileu culminou na invenção de relógios de pêndulo. O primeiro foi projetado por ele, construído parcialmente por seu filho e aperfeiçoado por Huygens. Esse relógio conseguiu uma precisão muito boa para as necessidades da época. Porém, apresentava algumas limitações, a principal foi não poder ser utilizado em alto-mar, pois o movimento do pêndulo era influenciado pelo movimento das ondas do mar. Além disso, a temperatura influenciava na determinação do período de oscilação, aumentando ou reduzindo o comprimento l da haste do pêndulo por meio de dilatações térmicas.

A expansão marítimo–comercial e o problema da longitude

Entre os séculos XV e XVI, a necessidade que a Europa sentia, após a mudança do sistema feudal para o mercantilista, de crescer economicamente, resultou numa expansão marítimo-comercial (Figura 16).

Segundo Cotrim (1999, p.194), “fatores econômicos, sociais, políticos e culturais concorreram para a expansão marítima e comercial européia”. A busca de um novo caminho para o oriente (comércio de especiarias e artigos de luxo), a necessidade de novos mercados (ampliação do número de consumidores e falta de gêneros alimentícios e matéria-prima), a busca por metais preciosos (para a confecção de moedas utilizadas na troca de mercadorias), a formação dos estados nacionais (a expansão marítima aumentaria os poderes do rei, manteria os privilégios da nobreza e elevaria os lucros da burguesia), a propagação da fé cristã, a ambição material e o progresso tecnológico (astrolábio, bússola, caravela, mapas geográficos etc) foram alguns desses fatores.
As grandes navegações são consideradas um momento histórico marcado por mares nunca antes navegados, os europeus descobriram terras e conheceram outros povos e culturas. Muitas foram as expedições realizadas, algumas vitoriosas, outras derrotadas pelas armadilhas da natureza ou em razão do desânimo de seus participantes diante do desconhecido (REZENDE e DIDIER, 2005, p.265).
Como afirma Rezende e Didier, muitas expedições se perdiam no mar. A localização de um navio no oceano foi um problema que permeou toda a Idade Moderna. Esta localização exigia o conhecimento do ponto da superfície da Terra em que ele se encontrava. Do equador ao pólo norte existem 90 paralelos, e do equador ao pólo sul, outros 90. Esses paralelos permitem medir a latitude (posição norte-sul), que varia de 0° na linha do equador a 90° nos pólos. Os meridianos são linhas imaginárias traçadas sobre a Terra unindo os pólos, e servem para medir a longitude (posição leste-oeste). A determinação da latitude envolvia a medição da altura do Sol ou de estrelas fixas. A estrela Polar[4] era usada para orientação no pólo norte e a constelação do Cruzeiro do Sul, no pólo sul (MELO, 2000). A longitude era medida pela comparação da hora local com a hora de Greenwich. Como a Terra gira em torno de seu eixo de 360° em 24 horas, uma variação de 1 hora corresponde a um deslocamento de 15°.
Em 1514, Johann Werner (1468-1522) propôs o método da distância lunar para determinar a longitude de uma embarcação, baseado na posição da Lua em relação às estrelas. Em 1553, Gemma Frisius (1508-1555) sugeriu um outro método, que dependia da invenção de um cronômetro preciso e projetado para suportar as perturbações associadas ao transporte por mar. Os relógios de pêndulo existentes na época não eram suficientemente precisos, pois a precisão exigida no mar era de menos de 3 segundos por dia. E mesmo que fosse, seu uso não seria adequado em alto-mar devido ao movimento dos navios (WHITROW, 1993).
Em 29 de setembro de 1707, um desastre marítimo que matou cerca de 2000 tripulantes afogados acentuou a necessidade de resolver o problema da longitude. Sete anos depois, foi oferecido um prêmio de 20.000 libras para quem resolvesse esse problema:
Esse desastre deu lugar a um clamor público pelo aperfeiçoamento da navegação. [...] Em 8 de julho de 1714, [...], um prêmio de 20.000 libras, o equivalente a mais de mil libras hoje, foi oferecido por um método de determinar a longitude no mar com precisão de pelo menos 30 milhas marítimas ao final de uma viagem às índias Orientais (WHITROW, 1993, p. 160).
Tobias Meyer (1723-1762), um astrônomo alemão, formulou tabelas do movimento da Lua com o auxílio matemático de Leonhard Euler (1707-1783). Como essas tabelas seriam úteis para o método da distância lunar, Meyer se inscreveu, em 1755, para o prêmio do Conselho de Longitude. A viúva de Meyer recebeu, 10 anos depois, um prêmio de 3.000 libras em reconhecimento por sua realização e Euler, 500 libras (WHITROW, 1993).
Em 1761, depois de 34 anos dedicados à construção de cronômetros, John Harrison (1693-1776), após construir quatro versões, conseguiu atingir a precisão exigida. Quanto ao prêmio, foram feitos alguns adiantamentos, mas ele só recebeu depois de entrar na justiça, três anos antes de morrer. A precisão atingida pela quarta versão do cronômetro de Harrison oportunizou a utilização, em 1765, do ponteiro dos segundos (WHITROW, 1993).

O tempo no contexto da Revolução Industrial

No século XVIII, a Revolução Industrial na Inglaterra deu uma nova importância às horas. Os operários agora tinham a hora de entrada e de saída nas fábricas. A desconfiança no relógio do patrão fez com que os operários adquirissem seu próprio relógio. Com isso, a indústria de relógios cresceu e estes se tornaram mais baratos na medida em que sua produção tornou-se seriada (WHITROW, 1993).
A construção de locomotivas a vapor e a construção de ferrovias em âmbito nacional promoveram uma crescente importância do tempo. As notícias começaram a se espalhar em pouco tempo dentro do país e as viagens das locomotivas eram rigorosamente cronometradas. De acordo com Whitrow (1993) a aceleração da comunicação em âmbito nacional e internacional, que se seguiu à introdução da telegrafia e à instalação do cabo transatlântico em 1858 foi por si só uma revolução.
O relógio, e não a máquina a vapor, foi a máquina chave para a moderna idade industrial. A popularização dos relógios acentuou a tendência à regularização cronométrica de funções vitais básicas, como a hora de dormir, de acordar, das refeições etc. Apesar de possuir várias oficinas de manufatura de relógios, a Inglaterra perdeu facilmente o domínio do mercado relojoeiro para a Suíça, que possuía técnicas de produção em massa (WHITROW, 1993).


[1] Conhecido como relógio de algibeira.
[2] Essa energia, que depende da posição, indica sua potencialidade de promover movimento.
[3] Essa energia, que depende da velocidade, indica energia de movimento.
[4] A estrela Polar é uma estrela fixa no hemisfério Norte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário